Apresenta
FERNANDA ROMÃO

Fernanda Romão começou a pintar por acaso — e acabou descobrindo um mundo inteiro dentro de si. Uma de suas obras, Tigre, transformou o cenário da nossa campanha de Alto Verão, em parceria com o espaço cultural Kura, em São Paulo. A seguir, um papo com a artista que transforma vivências em obras de arte.

BB. Como você começou a trabalhar como artista?

FR. “Comecei a pintar na pandemia, como hobby. Seis meses depois, fiz meu primeiro retrato a partir de uma foto assinada por Steven Meisel. Quando vi o trabalho finalizado, senti que havia mais de mim ali do que em mim mesma. Segui pintando, principalmente mulheres, em um processo de autoconhecimento que se tornou a base do meu estudo.”

BB. De qual trabalho você mais se orgulha?

FR. “É difícil escolher, mas o que mais me orgulha é a sensação de concretizar as coisas. Vejo pessoas muito talentosas (mais do que eu), mas que travam na ideia. Eu sinto que posso fazer qualquer coisa. Com o tempo, entendi que a minha obra não é o resultado final – sou eu. Me orgulho de viver essas facetas (como na série Blur), de testar, errar, descobrir. O que mais importa não é a obra em si, mas tudo o que ela me transforma ao longo do caminho.”

BB. Qual é a maior curiosidade que as pessoas têm sobre o universo das artes?

FR. “Trabalho com commissions (encomendas), e isso é um dos grandes privilégios do meu processo. Como retrato algo que hoje é raro — a liberdade de expressar nosso lado sombra, imperfeito, esse lado terrivelmente humano —, acabo tendo conversas muito valiosas, existenciais e profundas com os clientes. No geral, acho que o mundo da arte ainda é inóspito. Muita gente sente vergonha de expor suas dúvidas. A curiosidade mais comum é sobre o processo. No fim, a obra importa — mas mais ainda importa o porquê dela existir.”

BB. Qual é o seu museu ou galeria favorito(a) no mundo?

FR “Dois lugares me marcaram muito: a Pinacoteca, em São Paulo, pela arquitetura e pela forma como convida a se perder no espaço. E o MET, em Nova York, que mudou minha relação com a arte visual. Em 2020, vi uma obra ali que me tocou profundamente: uma mulher de costas no mar, olhando um homem mais ao fundo. Havia uma tensão ali, algo potente. Um mês depois, comecei a pintar.”

Onde você busca inspiração?

FR “Preciso viver para criar. Minha pesquisa atravessa a psicologia, a filosofia e o existencial. Fiz um curso de teatro com o diretor Nelson Baskerville, um gênio. Nele, aprendi sobre a vida — e fui mais fundo no meu ser. Recentemente, cavalguei com três pessoas no Rio Grande do Sul, em trilhas que só os cavalos conhecem — como diz Paulo, que as abriu. Não tinha ruído, música, distrações. Só nós, os cavalos, a natureza, o silêncio e conversas profundas. Ali, mais uma vez, aprendi sobre a vida. Voltei inspirada, com bagagem e história. Dessa vivência nasce uma nova mostra — que revisita meu trabalho até aqui, quase como se eu recalibrasse minha própria natureza.”

"A natureza cruzou meu caminho
no instante exato em que eu começava
a distorcer a natureza das coisas.”

– F. Romão, prévia da nova mostra (outubro/2025)

Fernanda Romão com vestido BO.BÔ

BB. Que conselho você daria a um/uma artista que está começando?

FR. “Ninguém vai te achar ou abrir as portas — então vá, faça, crie e acredite. Seja autêntico. O mundo já está cheio de pessoas fazendo igual. O que é seu é interessante — só precisa encontrar o ponto de conexão com o outro, o lugar comum onde sua história toca o mundo. O melhor pintor do mundo provavelmente tem outra profissão e acha que não é bom o suficiente.”

BB. A campanha de Alto Verão da BO.BÔ uniu moda e arte ao ser fotografada no espaço Kura, com uma de suas obras como cenário. O que você acha quando esses dois mundos se encontram?

FR. “A arte é algo que carregamos no íntimo. Gosto do que o Nelson Baskerville diz: o artista vai aonde o civil não alcança, nas nossas verdades mais ocultas, que nos moldam. A moda, quando usada de forma autêntica, vai além da roupa. É capaz de impactar gerações ao gerar pertencimento, identificação e ao projetar nossos "eus" para o mundo de forma única e verdadeira. É uma emoção.”

BB. Pode nos contar um pouco sobre a obra que estrela as nossas fotos?

FR.“É uma das três obras da série Tigre Etéreo. A inspiração veio da luz atravessando os vitrais da Catedral da Sé — quando ela toca as colunas, cria uma atmosfera etérea. Tive uma sensação parecida em Barcelona, em 2023, onde tudo parecia tridimensional. Quatro dias após voltar, comecei a criar — já sabia que teria luz e dimensão. A obra é feita com uma rede de aço, esse campo magnético de possibilidades. Um material rígido que, ao ser atravessado pela luz, ganha vida, vira célula, organismo. Nos tigres, a imagem vira ponto de conexão — e abre espaço para múltiplos sentidos e interpretações.”

BB. Defina seu estilo em três palavras.

FR.“Atemporal, natural, visceral.”

ESTILO